8 de fev. de 2008

Guerreiros da Neve - Parte 3

Pouco a pouco meu espírito se desprende da carne e passa a se dissolver em leve brisa... Demônios fulgazes me rodeiam, mas a aura serena deste lugar em que repouso me protege, deixando-me livre para divagar pelo mundo dos sonhos.

É até estranho ter esses demônios longe de mim... fiquei tão acostumado com eles por perto, digladiando-se comigo, que quando me afasto há uma estranha mistura de alívio e pesar... É... ao mesmo tempo que desejo ver-me livre deles, não consigo me afastar... De tão próximos que ficamos, em tantos anos - e talvez até séculos - de convivência, não conseguimos nos afastar assim tão facilmente...

Mas eu sei o que me aguarda agora... E talvez fosse preferível continuar com meus demônios a enfrentar o que está por vir. Pelo menos a dor que sinto com eles já estou acostumado.

Vejo minha alma se arrastar até um período longínquo - talvez não tão longe assim - até a época onde me encontro frente a frente com o que eu era e com o que me tornei agora.

Sou levado de volta a ver o tempo em que eu era presa e predador. Ouço claramente o som dos cavalos me perseguindo em meio à densa floresta, montados por um número sem fim de outrora simples aldeões, que se transformaram em caçadores repletos de ódio em busca de redimir o mal que lhes causei.

Num galope ritmado eles me perseguiam, todos vestidos de preto e com armas ferozes nas mãos... Lembro o terror que há tempos não sentia... o ódio, a sede de sangue... coração batendo forte, quase saltando da garganta... O contato. O ferro frio cortando a escuridão, banhando o chão de sangue... Suor, gritos, choro... Ódio... Guerra... Dor... Prazer. O simples e puro prazer insano e doentio que levam tantos bravos homens ao chão frio e úmido, o qual breve terá diversos buracos de sete palmos cravados na relva.

A tempestade e o calor da guerra geram um efeito estranho. O metal cortando a carne apavora alguns, que paralisam e são facilmente vencidos. Mas deixa outros que, como eu, sentem um prazer enorme em cortar mais e mais a carne, o mais letal e mais profunda possível, não havendo nem mesmo tempo de se ver o adversário cair, partindo-se em busca do próximo.

Tantas vezes já revi esse sonho... e cada vez que o revejo, cada vez mais sinto vontade de morrer pelo mal que fiz... A queda... a desilusão... cercado... enfim, minha via cruci se completa... e todos se juntam em um uivo estridente e ensurdecedor, clamando "Deixe a tempestade começar!"

Até hoje não entendo o por que de eu não ter sido eliminado definitivamente aquele dia... Lembro de ter visto meus amigos cair nas mãos de outros, mas nenhum deles nutria tanto ódio por mim quanto aqueles que me rodeavam naquele instante.

Só ouvia o arrastar das botas ao meu redor... nem mais uma palavra se dizia... Estava eu, por fim, vencido... Não conseguia ver o rosto de meus perseguidores... Apenas sentia sua raiva vibrar e me atingir imensamente... Mas não lhes posso tirar a razão. Fiz tanto a eles... E agora apenas sentia seu rancor sugando minhas energias... Ah! como sofri! Mas estava pagando pelo que fiz, e era totalmente justo...

E ouço novamente as risadas dos meus companheiros de longa data que me assolam... O som estridente da risada dos demônios que me acompanham trazem um irônico alívio... Estou prestes a acordar novamente.

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